Bom, isso aconteceu há três dias e até agora a polícia procura por uma resposta. Era por volta das 08:30h da manhã quando alguns parentes do meu vizinho chegaram para comemorarem o aniversário da filha dele. Todos estavam bastante felizes e alegres preparando tudo para a noite quando aconteceria o aniversário.
Como era sábado, passei o dia em casa, não tinha a intenção de sair para algum canto. Confesso que quando chega o final de semana, quero mais minha casa e ficar no aconchego dela, afinal passo a semana inteira no trabalho e isso se torna desgastante. Sou professor de informática e, agora que as coisas deram uma acalmada por conta da pandemia aqui no meu estado, retomamos as aulas e tivemos trabalho em dobro para passar aos alunos.
As coisas até então estavam indo bem, com som alto para fazerem um almoço especial. A comemoração do aniversário de Anna já havia começado desde a hora que seus parentes chegaram. Ela estava completando 18 anos, uma idade muito especial para os jovens de hoje, e ela parecia bastante empolgada. Os Souza vieram morar aqui do lado da minha casa há cerca de dois anos, e dentro desse período nunca vi ou ouvi nada de errado acontecer com eles, pelo contrário, eram ótimas pessoas.
Como era um tanto quanto recente e passo o tempo mais fora de casa do que propriamente dentro dela, não tinha tanta intimidade assim com eles, um “Olá” na rua, um “Bom dia” ou “Boa noite” era o máximo que conseguíamos chegar próximo de uma conversa, se é que podemos chamar isso de conversa, pois bem.
Nesse dia, fiz questão de parabenizar Anna quando a encontrei após o almoço em frente a sua casa. – Feliz aniversário Anna, disse quando passava por frente a sua casa com uma sacola de abacates. – Obrigado, seu Marcos, ela respondeu com um sorriso no rosto. Geralmente me sinto incomodado com essa formalidade de me chamarem de “Sr.”, me sinto velho, por mais que tivesse 38 anos, ainda não queria receber esse título, mas ser professor tem dessas coisas.
Após o almoço, coloquei uma rede na área do lado e me deitei para descansar e fiquei ouvindo toda a movimentação deles ornamentando, enchendo balões, rindo, conversando, algo bem família, quando senti um frio que gelou todo o meu corpo. Não imaginei que seria o clima já que estava um dia bastante ensolarado e sem previsão de chuva. Olhei e para meu espanto e pavor, vi uma fumaça leve surgir no fundo da minha casa, uma fumaça que começou a ganhar uma forma humana meio apagada. Senti novamente o frio congelar meu corpo e rapidamente lembrei-me de uma lenda antiga da minha região chamada de Corpo Seco, um tipo de alma que foi rejeitada pelo céu e pelo inferno e que agora anda pela terra como forma de punição por toda a maldade que fizera quando em vida.
Peguei meu celular para filmar aquela coisa estranha e ter uma prova sobrenatural quando contasse essa história, mas no momento em que peguei o celular aquela forma estranha lentamente foi flutuando e atravessou o muro que separa a minha casa com a do vizinho. Nesse momento ouvi quando Anna gritou pedindo por ajuda, pois seu pai havia desmaiado, nesse momento aparentemente estavam só eles nesse local.
Todos correram para onde ela estava e tentaram acordar meu vizinho que, em poucos minutos, recobrou os sentidos novamente. Parecia que tudo havia sido apenas um susto, mas eu sabia que algo muito ruim estaria por vir. O corpo seco é uma alma que está condenada a vagar pela terra, mas a lenda conta que em alguns momentos ele precisa de um corpo para se alimentar da alma de outras pessoas.
Eu nunca acreditei nessas coisas, afinal era somente uma lenda, mas o que vi mudou minha opinião. A festa começou e muitos convidados haviam chegado enquanto outros ainda chegavam. Para que todos ficassem mais à vontade, meu vizinho fechou a rua e colocou mesas e cadeiras para todos sentarem e comerem mais à vontade.
Por volta das 21h, estava assistindo um filme com a casa toda trancada, pois pela primeira vez em anos eu senti medo, e um medo incomum, nunca tinha visto esse tipo de coisa antes e isso me deixou assustado. Comecei a ouvir vozes alteradas e logo após gritos vindos da festa de aniversário de Anna. Abri lentamente a janela e vi meu vizinho com um terçado na mão golpeando todos que encontrava pela frente. Muitos conseguiram correr e fugir dali, enquanto os que ele já havia atingido agonizavam no meio da rua com pernas e braços decepados, com cortes tão profundos que conseguimos ver os ossos expostos.
A polícia chegou há poucos minutos e a cena que encontrou foi a de uma chacina terrível. Meu vizinho ainda golpeava um de seus parentes que já estava morto no chão quando a polícia atirou e o matou. Tudo no meio da rua e com várias pessoas olhando. Olhei e antes de fechar a janela completamente assustado e com medo, vi o corpo de Anna todo cortado no chão. Infelizmente ela foi uma das vítimas fatais desse massacre.
Muitos jornais relataram o que havia acontecido e até agora a polícia não havia encontrado uma resposta do porque meu vizinho ter feito aquilo, mas eu sabia, eu tinha o visto e sabia que ele havia usado o corpo do meu vizinho para fazer tal atrocidade. Hoje, terça-feira, tento voltar à minha rotina, mas a imagem ainda fica na minha mente, o corpo seco, meu vizinho acertando todos com o terçado e a cena de Anna morta no chão, será difícil apagar isso dos meus pensamentos, mas agora eu sei que ele existe e anda entre nós.
O corpo-seco é uma lenda do folclore brasileiro que fala de um defunto que foi amaldiçoado a vagar pela Terra depois de ser rejeitado por Deus e pelo diabo. O motivo da rejeição seriam as maldades que ele teria cometido em vida, fazendo dele um ser tão asqueroso que nem mesmo a Terra queria sua carne. É uma lenda popular no Sudeste e Sul do Brasil.
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