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O Adocicado sabor de uma LENDA

– Durma bem. Não se esqueça de cobrir os pés, cuidado com o Mapinguari! (Era o que minha avó dizia nas noites em que ela vinha no meu quarto).


Chamo-a de vó porque não sei quem são meus pais. Dona Lourdes me pegou para criar quando tinha um ano, desde então moramos juntos. Não sei quem são meus pais e, pra falar a verdade, não tenho a mínima vontade de conhecê-los. Ela e meu avô, o seu Deco, nunca tiveram filhos por uma condição rara dela, infelizmente ela não podia engravidar então me adotaram depois que a pessoa que me teve me deixou em uma casa de abrigo.


Bom, vivemos felizes desde então. Depois que completei meus 17 anos, meu vô Deco me chamou para trabalhar na vendinha dele, e assim ganhar um trocado. Eu, claro, me animei bastante, adorava ficar com ele e o ajudar na organização dos produtos e nas vendas, era de onde vinha nossa renda, então queria sempre está ajudando, como eles já estavam com uma idade um pouco avançada, fazia o trabalho mais pesado.


As aulas ainda estavam paralisadas por conta da pandemia que ainda assolava o mundo, e aqui no Amazonas estavam todos se preparando para uma terceira onda que, segundo os médicos e cientistas, seria muito mais forte do que as anteriores, então passava a maior parte do tempo na vendinha do meu avô.


Comecei a trabalhar lá e ficar mais tempo do que o habitual, agora já como um funcionário dele. Era uma diversão pra mim, todos os dias acordar, tomar nosso café e ir pra vendinha, ajeitar as mercadorias, varrer e ficar apenas esperando os clientes para vender. Minha vó ficava em casa cuidando das coisas, arrumando, fazendo comida e assim seguíamos nossa vida, em meio a todo esse caos que o mundo ainda vivia.


Na maioria das noites, ela entrava em meu quarto e me dava um beijo de boa noite e sempre dizia “cuidado com o Mapinguarí”. Claro, nunca tive medo dessas lendas brasileiras, mas haviam algumas que me deixavam bem intrigado, uma delas é a lenda do Mapinguarí, um ser bastante medonho, alto, completamente coberto de pelos negros, com garras afiadas nas mãos, um único olho no resto e uma enorme boca vertical que vai da ponta do nariz até o estomago.


Ele é popular em nosso estado e adora comer suas vítimas mastigando lentamente sua cabeça e depois arranca sua carne em pedaços para comer. Não era uma imagem que gostaria de ver na vida, mas me deixava um pouco assustado. Muitos ribeirinhos contavam histórias que já tinham visto dentro da mata, mas tentava acreditar que eram apenas histórias de pescadores.


Acordei como todas as manhãs, animado e pronto para o trabalho, mas vi que meu avô não estava muito hoje, então pedi para ficar na cama enquanto tomava conta da venda, minha avó concordou então ele decidiu aceitar também. Foi um dia bastante lucrativo, por mais que as pessoas estivessem enfrentando uma doença mortal, desemprego e uma crise que já estava grande no país, o dinheiro não estava faltando.


Assim que começou a escurecer, minha avó pediu para fechar a venda mais cedo, afinal meu avô não estava para me ajudar com o dinheiro, então ela ficou preocupada com medo de aparecer algum assaltante quando escurecesse, então fechei tudo e fui pra casa cansado e contente pelo dia ter sido bem lucrativo. Meu avô já estava bem melhor e no dia seguinte já iria voltar para o trabalho.


Tomei um banho e fiquei assistindo TV até sentir sono, então me despedi deles e fui para a cama, estranhamente minha avó não foi no quarto me dá boa noite e dizer a frase que sempre dizia. Fiquei esperando por alguns minutos e nada dela entrar. Meus olhos começaram a ficar pesados sentindo o sono se aproximando cada vez mais. Quando comecei a cochilar, fui interrompido com um barulho alto de batida, isso me assustou bastante, então fui ver o que tinha acontecido.


Quando abri a porta do quarto, vi a sombra de algo grande passando pela porta do quarto dos meus avós. Fiquei paralisado por alguns minutos tentando processar a ideia que havia um ladrão em casa. Imaginei que ele havia visto o dia lucrativo na vendinha e queria o dinheiro, então consegui me encher de coragem e peguei uma faca na cozinha, teria que salvar meus avós de alguma forma. Fui lentamente para o quarto deles e, sorrateiramente, abri a porta que já estava entreaberta.


Um ser bastante alto, com o corpo completamente coberto de um pelo negro, garras afiadas estava em pé ao lado da cama dos meus avós. Não consegui me mexer, pois estava completamente paralisado em saber que aquilo era o Mapinguari. Ele então virou lentamente em direção a porta e vi quando a cabeça do meu avô estava sendo mastigada por aquela enorme boca bem no meio de sua barriga. Em cada mordida ouvia o barulho do crânio dele sendo esmagado, uma gosma um pouco rosada começou a sair pelo canto daquela boca, vi que era o cérebro do meu avô que havia estourado. Um de seus olhos saltou e caiu próximo ao pé daquela coisa horrenda.


Ele então pegou minha avó, que já estava desacordada, com uma das mãos e levantou enquanto comia a cabeça do meu avô lentamente. Com a outra mão ele enfiou uma das garras dentro da vagina da minha avó e começou a empurrar, cada vez mais forte e mais fundo, até a ponta sair pela boca dela. Isso parecia excitá-lo pois ficou repetindo várias vezes até que, com a garra atravessando a boca da minha vó, ele a rasgou de dentro para fora como um saco fazendo suas tripas e vísceras se espalharem por todo o chão do quarto.


Meu avô caiu sem sua cabeça ao lado da cama. Ele então começou a arrancar pedaço por pedaço da carne deles e jogava dentro de sua enorme boca. Foi quando me enchi de coragem e entrei gritando com a faca em punho para pelo menos vingar a morte dos meus avós, nesse momento ouvi o barulho das sirenes enquanto as cores de vermelho e azul iluminavam todo o quarto. Os policiais entraram na casa e vários homens com uniformes escuros apontavam armas em minha direção enquanto ainda mastigava a carne suculenta da minha avó.


Fui diagnosticado com esquizofrenia aos 12 anos de idade após ter matado nosso cachorro de estimação e ter comido suas vísceras e seus olhos. Meus avós adotivos, mesmo com todos os avisos, decidiram continuar comigo me dando os remédios e cuidando para que eu não enlouquecesse, mas parei de tomá-los escondido deles.


Às vezes, o monstro de nossas lendas se escondem dentro de nós, na escuridão de um coração sedento por sangue.

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