A música de ninar que os pais costumeiramente cantavam para seus filhos, sempre teve algo de assustador. Quem em sã consciência poderia ficar tranquilo com a ideia de que alguém viria te pegar a noite, quando seus pais não estivessem em casa? Graças ao Sítio do Pica-Pau Amarelo, a ameaça da bruxa acabou atenuada no imaginário dos brasileiros pela imagem da jacaré loira que, embora vilanesca, era mais divertida do que propriamente sinistra. Porém, depois de décadas de hegemonia das histórias de Monteiro Lobato e das adaptações da TV Globo, essa visão ingênua e fofa acabou se tornando algo atormentador para algumas crianças no orfanato da cidade.
Como sempre gostei de crianças, meu pai soube que estavam precisando de alguém para trabalhar no orfanato ajudando a cuidar dos órfãos e dos bebês que foram abandonados na cidade e nos municípios próximos. Fiquei muito feliz e animada com a notícia e rapidamente fui até lá para tentar conseguir essa vaga. Não havia muitas candidatas, claro, cuidar de crianças que perderam seus pais não era tarefa para qualquer pessoa, então muitos não gostariam de ter essa, digamos, responsabilidade com os pequenos.
Havia uma amiga da minha mãe que trabalhava na direção do orfanato, então ficou ainda mais fácil, parecia que tudo estava dando certo para eu trabalhar ali. Após conversar com a diretora e fazer uma breve entrevista, fui chamada já para trabalhar na semana seguinte, e isso me deixou mais que feliz. Isso iria me ajudar muito na faculdade de psicologia, já estava pensando em como iria desenvolver meu TCC e esse trabalho deu uma luz mais que suficiente.
Funcionaria da seguinte maneira: Iria começar meus trabalhos a partir das 14h, horário que já estaria fora do campus. Ficaria até as 6h da manhã, teria tempo para ir em casa, tomar um café e me arrumar para entrar no campus às 9h. Seria uma correria, mas nunca reclamei, sempre gostei dessa vida agitada, agora que iria ficar mais ainda, seria maravilhoso.
As primeiras semanas foram até então tranquilas, cuidava das crianças com idade entre quatro e nove anos, os bebês mais novos e os de idade acima dos 10, ficavam por responsabilidade de outras cuidadoras. Era um trabalho tranquilo e divertido, diga-se de passagem. Mas as coisas começaram a se tornar estranhas quando quatro das crianças acima dos 10 anos desapareceram sem deixar nenhum rastro, simplesmente evaporaram da noite para o dia, sem vestígio de arrombamento, de fuga, de raptor. Isso deixou todos bastante assustados.
Foram feitas várias buscas próximas, investigações e dentro de um mês encerraram o caso por falta de provas ou algo que levasse a algum suspeito. As coisas começaram a voltar aos seus eixos e estranhamente todos já estavam bem com o que havia acontecido, menos eu é claro.
Após três meses do que havia ocorrido, novos desaparecimentos voltaram a acontecer, mais crianças haviam desaparecido sem deixarem algum tipo de rastro ou pista, e mais uma vez nada foi encontrado sendo tudo arquivado novamente. Já estava sombrio demais para mim o modo como todos estavam tratando esses desaparecimentos, de um jeito calmo e normal, como se as crianças não fossem nada.
Falei para meus pais sobre os acontecimentos, mas eles também não apresentaram nenhuma reação, e isso me assustou bastante. Nos meses que se seguiram, tudo parecia estar bem, até a noite chegar vindo com um ar de medo e pavor sobre todo o orfanato. Era por volta das 3h da manhã quando ouvi passos pelo corredor e uma luz passar por baixo da porta do quarto onde ficava com o meu grupo de crianças. Levantei-me e bem devagar fui abrindo a porta vendo apenas a silhueta de uma das cuidadoras dobrando no fim do corredor.
Sai e segui para ver aonde ela iria, foi quando a vi entrar na sala do zelador do orfanato, um rapaz que já trabalhava ali há dois anos. Abaixei-me para olhar pelo o buraco da fechadura e vi quando ela o agarrou por trás e o beijou. Deveria ter em mente que os dois estavam tendo um romance aqui dentro, algo que não era permitido pela diretora de forma alguma, por isso nos encontros pela madrugada.
Ele a fez deitar sobre a mesa levantando seu vestido e abrindo suas pernas devagar, uma cena que inevitavelmente me deixou excitada, mas parei de olhar e voltei ao corredor lentamente para não fazer nenhum barulho. Abri a porta do quarto das minhas crianças e vi que estavam todas dormindo. Fui então em direção ao quarto de Clara, a cuidadora que estava dando um pouco mais além de atenção para o nosso zelador, e vi que as crianças dela também estavam todas dormindo.
Entrei fechando a porta atrás de mim. Fui até o fim do corredor onde estavam Lucas, Pedro, Luanna e Diego dormindo em suas pequenas camas, me abaixei e, com uma voz doce e suave comecei a cantar: “Dorme neném, que a Cuca vem pegar. Mamãe foi pra roça, papai foi trabalhar.”. Lentamente um a um foram se levantando e vindo em minha direção. Ouvi a porta do quarto abrir atrás de mim e vi que Clara já havia terminado seus afazeres. Transformando-me em fumaça, rapidamente flutuei para trás da porta esperando apenas ela entrar. Quando ela entrou e fechou a porta, cantei lentamente em seu ouvido: “Dorme neném, que a Cuca vem pegar. Mamãe foi pra roça, papai foi trabalhar.”. Ela caiu no chão em um sono profundo deixando-me livre para devorar minhas doces crianças.
Sem nenhuma interrupção, levei os pequenos para dentro da floresta. Chegando lá, um por um foram se deitando no chão em cima de algumas folhas molhadas da umidade do lugar. Abaixei-me e, sem pressa, fui comendo e apreciando cada pedaço daqueles corpos tão pequenos e saborosos. Assim que terminei, novamente me tornei em fumaça e flutuei até meu quarto juntamente com meus pequenos.
Todos os dias chegam novas crianças e mais comida para me alimentar. Trabalhar em um orfanato onde ninguém suspeita de você com crianças sem algum vínculo de pai ou mãe é algo bastante divertido. Uma hora irei cansar daqui e irei para outro lugar, fazendo novas vítimas, devorando outras crianças e me tornando a Cuca que todos temem, uma bruxa que surge ao cair da noite e espreita na escuridão até você pegar no sono e se tornar meu prato principal.
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