Morte Literária
- G.P.
- 10 de mar. de 2021
- 4 min de leitura
Por muito tempo encarei o papel em branco à minha frente. Escrevo? Desenho? O rasgo em mil pedaços? Simplesmente não sei o que fazer. Fecho os olhos e respiro fundo, nada mais sai como eu esperava e isso, de certa forma, me incomoda. Levanto e preparo uma caneca cheia de café, talvez ele me ajudasse... Não, jamais me ajudaria. O telefone na mesa me dizia que poderia chamá-lo, mas sei que sei o fizesse tudo desandaria.
Você disse que jamais voltaria a chamá-lo! Não faça isso, sabe que ele não responderá. - digo a mim mesma.
Pego minha caneca, bebo um gole do meu café e respiro fundo. Vamos lá mais uma vez encarar o papel.
Um esboço de história começa a surgir em minha mente e o lápis começa a rabiscar o papel. Como contaria a história horrenda que se passava em minha cabeça? Talvez começando pelas noites insones da personagem, que temia o escuro e o que poderia haver nela? O monstro que tantas vezes a ameaçou em seus sonhos? Bem, começou assim.
Noite escura e sombria, e a densa névoa a luz da luz cobria.
A pequena Charlotte tremia em sua cama, já sabe que não é sua mãe quem a chama.
A luz da única vela que o quarto ilumina tremula, e a pequena Lotte, com a respiração curta e rápida, sabe o que irá acontecer. Ao cair a completa escuridão no rosado quarto, as bonecas andam e falam; os monstros aparecem; e todos querem um pouco dela.
Uma brisa percorre o cômodo, uma brisa gelada que faz os pelos se eriçarem e um frio subir pela espinha. A chama treme uma vez mais e se apaga. O quarto afunda na escuridão, a menina treme e se esconde embaixo de sua coberta buscando proteção. Algo começa a rastejar em um lado, e no outro há algo caminhando. O pesado som dos passos se aproximava aos poucos, enquanto o outro parece somente rodear o quarto. O coração de Charlotte bate tão rápido e forte que talvez o que estivesse próximo a ela seja capaz de ouvir.
Algo começa a bater constantemente no vidro da janela, um horrível odor toma o quarto. A criança começa a chorar, por que os monstros a perseguem?! Por quê?!
E bem, minha história parou aí.
Jogando o lápis contra a parede, quis que minha mente se calasse por um segundo. Como posso conseguir criar qualquer coisa com ela gritando coisas que eu preferia esquecer? Não preciso lembrar disso agora, já foi e superei tudo. Mas superei mesmo?
Uma suposta amizade que se tornou ameaças e xingamentos, o temor de que a cada esquina que virasse ele estaria lá esperando por mim com seus olhos verdes faiscando de raiva e infindáveis medos e arrependimentos. Raiva? Seus olhos demonstrariam raiva ou a mera indiferença? De repente um arrepio correu por minha espinha e as luzes piscavam frenéticamente. Senti uma presença feroz em minhas costas, mas ousaria olhar para o que havia atrás de mim?
Assim que ergui meu olhar, olhos verdes me encararam de volta e neles havia tanto ódio que podia sentir em cada pedaço do meu corpo. Não consegui gritar e nem correr, somente fiquei estática na cadeira.
Um rosnado preencheu o ambiente e fechei meus olhos pedindo silenciosamente para que me deixasse em paz. Assim que abri, não havia mais luzes piscando ou os olhos esverdeados.... Estava completamente escuro, não enxergava um palmo à minha frente, porém podia sentir uma respiração quente em meu pescoço. Coração batendo rápido, congelada em meu lugar. Corria ou ficava imóvel? Quanto mais aquilo se aproximava, mais meu corpo tremia. Senti suas mãos em meu pescoço, eram fortes e estavam decididas a me sufocarem.
- Achou que fugiria de mim por quanto tempo? - disse em meu ouvido, de uma forma que podia dizer com certeza absoluta que ele estava sorrindo.
Suas mãos foram se apertando em volta do meu pescoço, mas afrouxaram logo em seguida para agarrar meu braço. “Você me pertence.”, falou enquanto me puxava em direção à sala. Jogou-me no sofá, amarrou meus pés e minhas mãos enquanto murmurava palavras em uma língua que eu desconhecia. Talvez fosse até uma cena sensual se não houvesse ali uma faca e não estivesse desenhando um pentagrama em minha barriga.
- Sabe quanto tempo esperei por isso? Em rasgar cada centímetro do seu corpo? - falava enquanto traçava linhas tortas por meu corpo. - Esperei muito tempo por isso, anjo.
E a faca perfura meu braço na altura do cotovelo, o grito que dei... Até hoje me pergunto como meus vizinhos não ouviram meus gritos. Meus joelhos foram cortados na parte de trás, meus calcanhares destroçados por uma lâmina serrilhada. De forma lenta, quase como se estivesse fazendo carinho com a faca, a cravou em meu abdômen, e o ar pareceu fugir de meus pulmões.
Com a faca em meu abdômen, ele abriu o corte de uma extremidade à outra e assim expôs meus órgãos. Como eu não havia morrido ainda? Implorava para que aquilo acabasse logo, para que somente me matasse de uma vez, mas ele apenas ria e pronunciava palavras estranhas. O vi pegar meus intestinos e rins, também vi quando os comeu, tirou a camisa e desenhou em seu corpo com meu sangue. Minha visão estava turva, pensei na Charlotte, minha personagem, e nos monstros que a atormentavam. Quer comparar pequena Lotte? Troco meu monstro pelos seus.
E distraída pelos meus pensamentos, tive um grande susto quando o vi adquirir asas negras. Não somente as asas eram novidade, mas também os chifres que adornavam sua cabeça. Não sei o que aconteceu, menos ainda como aconteceu... Mas sei que em minha sala jaz meu corpo destroçado e meu sangue banha cada centímetro do sofá branco, enquanto minha alma foi arrastada ao inferno por ele para que eu pudesse ser seu brinquedo cada vez que se sentisse entediado. O que ocorre com frequência.
Muito bom