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323 metros [A lenda da Alamoa]

A noite já ia alta quando a jovem chegou à beira-mar, as belas pernas brancas expostas pelo vestido curto, os passos já trôpegos e os saltos altos na mão...

O vestido curto e transparente exibia tudo e um pouco mais, ressaltando as curvas sinuosas do corpo alto e escultural, e os cabelos loiros caíam pelas costas, desalinhados...

A jovem encarou a rua... O homem grande recostado à parede, os braços musculosos cruzados contra o peito... E os olhos em seu corpo.

Ela tentou endireitar a postura, parecendo menos vulnerável, e começou a caminhada...

Apenas 323 metros até seu destino.


Um metro.


Passou por ele, mantendo os olhos fixos na rua, e sentindo os dele despindo seu corpo, correndo por suas pernas... Nojento.

Mas tentou manter-se firme, como se aquilo não a aterrorizasse.

Um assobio baixo cortou o ar. Não olhou para trás, mas apertou um pouco mais o passo.

E não tardou para que os dele também soassem pela rua, junto dos seus, fazendo seu coração acelerar, o sangue correndo quente nas veias, seus instintos femininos gritando para que corresse. Mas talvez fosse apenas um mal-entendido.

Talvez estivessem indo para o mesmo caminho, talvez ele estivesse ali apenas para garantir que nenhum mal lhe ocorreria.

Como se isso fosse possível.


Cinquenta metros.


Tentava olhar pelo canto dos olhos, mas ele estava mais atrás, fora de seu campo de visão... Apenas os passos e os olhos dele queimando em suas costas.

E sabia o que ele queria.

Tinha certeza disso.

As histórias não paravam...

Todos sabiam o que acontecia com garotas como ela, sozinhas na rua, no silêncio da noite...

Ele também sabia.

E sabia que ninguém sentiria sua falta.

Acelerou ainda mais, tropeçando pelo pavimento.

A noite escura tornava o caminho traiçoeiro, e sabia que um tropeço agora seria fatal.

Ainda estava longe de casa, e não haveria ninguém ali para ajudar se caísse agora.

Precisava chegar rápido!


Cem metros.


Ele ainda estava ali, seguindo de perto.

Pensando em tudo o que faria com seu corpo antes do sol raiar.

Em como se enterraria em sua carne, e se afundaria em sua agonia, destruindo corpo e alma, até que não restasse nada além de uma casca vazia e destruída...

Talvez deixasse seu corpo em algum beco, ou a jogasse no mar...

O mar limparia as evidências.


Duzentos metros.


A rua deserta não oferecia qualquer sinal de misericórdia.

Seriam apenas os dois, e o mais forte venceria.

E ali, tão longe de sua segurança, não seria páreo contra ele.

Era apenas uma garota assustada agora, tentando não correr desesperadamente...

Sabia que ele a pegaria assim que tentasse fugir, que a venceria fácil em uma corrida.

Precisava ganhar tempo, ganhar distância...


Cento e cinquenta metros.


Seus olhos estavam secos, e o choro preso na garganta.

E se não chegasse a tempo?

E se caísse antes?

E daí que isso já tinha acontecido antes, falhar era sempre uma opção.

E já era tarde demais para voltar atrás agora...

A rua escura, o murmúrio alto do mar...

A respiração em seus pulmões, acelerada, sufocante...

E os passos dele, mais próximos agora... Perto demais...

Correu.


Duzentos metros.


Correu, pois sua vida agora dependia disso, e ele corria em seu encalço, aproximando-se rápido, as mãos tentando agarrar seu corpo...

Quando sentiu-o segurar seu braço, acertou seu rosto com os saltos em um golpe desesperado, apenas o suficiente para que ele a largasse, e pode abrir uma pequena distância entre seu perseguidor, voltando a correr.


Duzentos e cinquenta metros.


Seus pés mal tocavam o chão, o vento salgado contra o rosto e o sabor férreo no fundo da garganta, os pulmões queimando, a mente em frenesi.

Deixou que as lágrimas viessem, já sem se importar.


Trezentos metros.


Faltava tão pouco...

Podia sentir os dedos dele passando por seus cabelos algumas vezes, tentando agarrar qualquer coisa, tomar o controle...

Dominá-la.

Derrubá-la.

Destruí-la.

Já podia ver o fim da corrida, seu porto seguro...

Quando os dedos se fecharam em eu seu cabelo, gritou.

E então, riu.


Trezentos e vinte e três metros.


Ele a virou bruscamente, apenas para encontrar seu rosto marcado, a maquiagem borrada pelas lágrimas e o riso insano cruzando os lábios pintados de vermelho.

Deixou que ele rasgasse seu vestido...

E riu ainda mais quando ele recuou, horrorizado, com um grito.

Oh...

Ele não gostava de seu corpo assim?

Enquanto sua pele derretia sobre a carne, e a carne apodrecia sobre os ossos?

Enquanto os dedos longos se convertiam em garras afiadas, e o rosto desfazia-se em uma expressão horrenda, a pele de porcelana agora cinzenta e asquerosa?

Ele já não a queria?

Antes que ele pudesse correr, alcançou sua boca em um beijo invasivo, a língua buscando a garganta, sufocante...

Como ele teria feito...

E cravou suas garras na carne, arrancando sangue, estocando fundo em seus órgãos, como ele teria feito...

Deixando seu cheiro nauseante nele, seu sabor, sua carne na dele, como ele teria feito...

Terminou antes do sol nascer, como ele teria feito.

Mas não deixou um corpo para trás.

Quando a manhã iluminou a calçada, havia apenas sangue, e nada mais.

Nem homem, nem mulher.

Nem rastro ou pista alguma.

E isso, apenas a Alamoa sabia fazer.




*




Alamoa é uma criatura feminina que seduz marinheiros e pescadores desavisados nas praias de Fernando de Noronha. Ao vê-la, os passantes não conseguem resistir aos seus encantamentos e a seguem enfeitiçados à sua morada, por 323 metros. Vencida essa distância, a Alamoa se transforma numa caveira e aprisiona o infeliz que a acompanhou, devora-o ou o atira do penhasco.

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