“Não coma comida tão pesada à noite, Guilherme!", minha mãe dizia enquanto enchia meu prato com sobras do almoço. Não costumo comer tanto no decorrer do dia, café da manhã, almoço e somente a janta quando chego do trabalho, por isso exagero às vezes na comida antes de dormir, mas ela sempre me alertava sobre a “Pisadeira”, um ser folclórico originado aqui no interior de Minas Gerais e em algumas regiões de São Paulo.
A Pisadeira, como todos conhecem, de acordo com a lenda, é uma mulher de aparência assustadora. Ela é alta e magra, possui unhas grandes em dedos compridos e secos, olhos vermelhos e arregalados, nariz comprido para baixo e queixo grande. Seu olhar transmite algo de maligno, assim como suas gargalhadas que mostram seus horríveis dentes verdes. Claro, como todo cético, eu insistia em não acreditar, para mim não passava de uma história criada para não se comer tanto antes de dormir por fazer mal ao metabolismo do corpo.
Eu costumo ter aquele ceticismo de que monstros, fantasmas, seres mitológicos e folclóricos só existem no imaginário de pessoas com a mente criativa e fértil, então era bastante difícil me assustar com tais contos. Minha mãe era fiel nisso e acreditava como uma verdadeira conterrânea de sua terra. Ela conta que já tinha visto a Pisadeira quando era pequena. Seu pai havia acabado de comer e foi se deitar, no meio da noite ela sentiu sede e levantou de sua cama para ir beber um pouco de água, foi quando passou pelo quarto de seus pais e viu que a porta estava entreaberta, achando que estivesse acontecendo algo, ela abriu lentamente e olhou para dentro do quarto e viu, em cima de seu pai, uma velha pisando em sua barriga e ele paralisado sem conseguir se mexer. Ela conta que saiu correndo para seu quarto e preferiu não contar nada na manhã seguinte, não conseguindo dormir por várias noites. Por esse motivo ela acredita tanto nessa lenda.
Procurava acreditar que minha mãe estava realmente com sono naquela noite e viu coisas que não estavam ali, mas eu iria descobrir que todas essas histórias estavam mais vivas do que eu poderia imaginar e acreditar.
Após um dia exaustivo de trabalho, cheguei a casa e fui tomar um banho, alguns amigos haviam me convidado para ir ao aniversário de uma colega do trabalho e como sempre fui bastante enturmado, disse que iria sim, e estava realmente precisando de um pouco de diversão.
Me arrumei, avisei minha mãe e fui, a festa estava marcada para às 20h, então tentei sair cedo para não chegar atrasado. Havia comprado um presente para a aniversariante, não queria chegar lá de mãos vazias. Assim que cheguei ao local indicado, havia já algumas pessoas, avistei alguns colegas do trabalho e me juntei a eles certo de que seria uma noite agradável, e realmente foi. Havia bastante comida, eles não economizaram em nada mesmo. Tentei comer de tudo um pouco que havia ali, como não havia almoçado estava com mais fome do que o normal, então tentei aproveitar ao máximo.
Já passava das 23h quando resolvi ir embora. Despedi-me de todos e saí, o local da festa não era tão longe da minha casa e como não havia trânsito logo cheguei. Quando entrei, vi que minha mão não havia colocado a comida na geladeira, temos esse costume, guardar para esquentar no outro dia. Vi a comida em cima do fogão e por mais que já estivesse cheio, me deu vontade de comer um pouco do que estava ali, pelo menos para provar já que não tinha almoçado.
Peguei um prato e comi ficando ainda mais cheio. Após ter comido mais um pouco, bebi água e fui para o quarto me deitar, realmente estava bastante cheio e me senti afrontado assim que deitei. Tentei não dar tanta atenção para o mal estar que estava sentindo e procurei logo dormir, foi quando comecei a ouvir barulhos de algo andando no telhado da casa. A primeira coisa que pensei era que fossem gatos querendo começar uma briga, mas essa suposição rapidamente foi descartada com o ouvir de uma gargalhada baixa de alguém vindo do telhado.
Pensei na lenda da Pisadeira, mas não cogitava em hipótese alguma essa ideia. Os sons pararam e o sono foi me dominando aos poucos quando senti algo pesar em cima de mim. Abri meus olhos e a mais horrenda e tenebrosa criatura estava abaixada pisando em minha barriga. Não consegui me mexer, gritar ou pedir ajuda, estava paralisado e com bastante medo do que poderia acontecer, pois ela poderia fazer o que quisesse e eu estaria impossibilitado de esboçar qualquer reação.
Ela então olhou para mim, com aqueles enormes olhos vermelhos, pele envelhecida e um sorriso atormentador no rosto revelando seus dentes podres esverdeados, levantou sua mão e a colocou sobre meus olhos tapando minha visão. Naquele momento entrei em um sono profundo onde comecei a ter vários pesadelos com ela. Pesadelos esses que não eram apenas sonhos ruins, mas filmes realistas que mais se pareciam com lembranças esquecidas. Ela me fez viver pesadelos reais onde, em todos eles, sofria a morte mais horrenda e assustadora que alguém pudesse ter.
Ela arrancando fora meus órgãos com suas mãos e unhas pontudas em seus dedos longos e finos, comendo minha carne e se divertindo com tudo isso. Acordei com o despertador tocando em meu criado mudo. Respirei aliviado acreditando que tudo havia sido apenas um pesadelo ruim, mas quando vi a marca de arranhões e queimaduras em meu peito, percebi que tudo havia sido real. Desde então eu a vejo em cima dos telhados das casas vizinhas e na minha também, sempre com aquele sorriso estranho no rosto, roupas esfarrapadas e a espreita esperando sua deixa para entrar no quarto e entregar pesadelos horrendos e assustadores.
Tome cuidado com a Pisadeira, ela passa grande parte do tempo nos telhados das casas apenas observando o movimento. Após o jantar, quando alguém vai dormir de barriga cheia, ela entra em ação saindo de seu esconderijo e pisando no peito da pessoa, deixando-a em estado de paralisia. Porém, a sua vítima consegue acompanhar tudo de forma consciente, o que traz grande desespero para a pessoa, pois nada conseguirá fazer para sair da situação.
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