De todas as incontáveis coisas que me trazem desgosto nesta profissão, a que mais me incomoda é a tarefa de explicar para alguém o que eu faço.
É um trabalho ingrato, na maior parte do tempo, quando não é frustrante. Desconhecido por quem é de fora do círculo e desvalorizado pela maioria dos “profissionais” da área. E não são apenas os amadores que pensam assim. Conheço gente que atua há décadas e só chama um editor quando está desesperado.
Às vezes eu penso que me importo mais com as obras dos outros do que eles mesmos. Os que tentam empregar algum método falham constantemente, enquanto aqueles outros que se entregam completamente ao instinto na hora de criar, quebrando todas as regras… Esses eu até consigo admirar, mas sempre me dão mais trabalho. A verdade é que um trabalho é apenas um trabalho, até passar por mim. Só então uma obra pode ser realmente reconhecida como arte.
Vamos pegar meu último cliente como exemplo. Recebo uma ligação tarde da noite, no horário em que geralmente me procuram. Percebo que é um iniciante só pelo tom de voz carregado de emoção no outro lado da linha. A maioria dos amadores não teria condições de pagar nem por uma consultoria remota. Digo meu preço e espero a ligação cair, mas ele concorda com o valor. Acho que ele percebe meu estranhamento, porque em seguida me informa de que tem um patrocinador. Sim, então faz sentido ele ter meu número. A arte já teria morrido há muito tempo, não fosse a generosidade (e a ambição) de alguns patronos que decidem apostar em novos talentos.
Pego minhas ferramentas de trabalho e me dirijo ao local designado pelo cliente. Ele abre a porta para mim, está ansioso para me mostrar o material. Subo as escadas atrás dele. O cheiro de fumaça de cigarro preenche todo o ambiente, o que me diz que ele vem trabalhando há algum tempo. Ele não parece gostar muito quando eu peço que deixe o aposento, mas não há nada que eu possa fazer. O trabalho dele terminou, e agora começa o meu.
Logo de cara já dá para saber que o cliente é um amante dos clássicos. Um trabalho extremamente artesanal, feito com paixão. O traço é lento e cuidadoso, mas sem marcas de hesitação em momento algum. Os cheiros agora me dizem que ele não vem trabalhando há horas, mas sim há dias. Não sei como ainda não havia cedido à exaustão.
Eu consigo entender agora o potencial que o patrocinador havia percebido em sua arte, mas não vou mentir: a bagunça na minha frente é enorme. Começo tentando organizar as partes da obra, que estão todas fora de ordem. A mensagem que ele quer passar também não está clara. A disposição dos tons que cobrem as paredes e o assoalho mostram criatividade, mas também precisam de ajustes.
O principal problema é o exagero, em todos os sentidos. Artistas estreantes costumam pensar que seu gênio pode ser apreciado na íntegra, querem ver a obra ganhando o mundo com todos os mínimos detalhes. Mas, não demora muito, eles começam a aprender que sempre há alguma parte que você pode cortar. E sendo assim, eu corto.
Por falar em exagero, outro erro de principiante é a quantidade de assinaturas. Ele fez questão de espalhá-la por todos os cantos, de todas as formas possíveis. Eu removo os excessos com cuidado, dando um toque elegante ao conjunto. Quando acho que o trabalho está completo, eu me ponho a revisar. Só depois de revisar duas, três vezes, é que eu deixo ele entrar e conferir o resultado final.
Posso ver o brilho no olhar do rapaz. Consigo entender como se sente, vendo sua arte finalmente atingir um status sublime. Compartilho de seu orgulho, por um breve momento. Mas depois disso, me lembro de que a obra não é minha. Quando a polícia encontrar o corpo, chegará à conclusão de que aquilo é trabalho de um único artista. Jamais suspeitarão de que o resultado final só existe por conta do meu esforço e de minha maestria.
Realmente, quando o trabalho é bem feito, nem o público mais crítico é capaz de apontar a presença de um editor.
Comentários