Costumeiramente tinha o hobby de caçar com meu pai nos finais de semana, e adorávamos, pois era uma terapia para nós. Fiz parceria com ele para abrirmos uma empresa de peças para automóveis e estava fazendo sucesso onde morávamos no interior do Paraná. Procurávamos nos distrair nos finais de semana caçando e acampando na floresta para tirar um pouco do estresse do dia a dia e era algo bastante satisfatório.
Quando íamos caçar, procurávamos animais de pequeno porte e que ia nos servir de alimento, não fazíamos caça alternativa por diversão matando espécies que não entravam em nossa cadeia alimentar. Tínhamos sempre isso em mente, pois respeitamos a floresta e o que nela habita, não queríamos problemas posteriores.
Meu avô contava a história de um ser que era o guardião da floresta, não o curupira ou caipora, saci ou outro ser do nosso folclore brasileiro, ele nos contava a história de uma lenda esquecida, a lenda do Pé de Garrafa, um tipo de ser protetor das matas do Centro-Oeste do país. Ele é um tipo de ser alto, com corpo coberto de pêlos, garras longas e afiadas nas mãos, pernas longas com o formato de garrafa juntamente com os pés que tinham o formato do fundo de uma garrafa, daí o nome dele.
Ele ataca as pessoas que adentram a floresta somente para destruí-la, devorando a alma desses desavisados e deixando-os como zumbis ambulantes com uma carcaça sem alma dentro. Ele não devora carne, nem bebe seu sangue, apenas sua alma que é sua fonte principal de alimento. Meu pai não acreditava nessas histórias e nem eu, mas respeitamos, afinal, existe muita coisa nesse mundo que vai além de nossa vã filosofia.
As coisas estavam indo bem até então, quando meu primo Alexandre chegou à cidade. Ele chegara para passar alguns dias, pois estava de férias do trabalho e queria passar um tempo longe da correria da cidade grande. Ele queria caçar conosco no final de semana e meu pai autorizou, mas deixando claro nossos termos de caça.
O final de semana chegou, arrumamos tudo e fomos bem cedo para a mata já preparar o acampamento para passarmos o dia e a noite para virmos somente no dia seguinte. Alexandre estava bastante empolgado, nunca havia ido a uma caçada antes e queria deixar tudo registrado. Após termos tomado um ótimo café da manhã já na floresta com a cabana armada, fomos até o lago pescar algo para o almoço. Tudo estava muito agradável e divertido, pescamos vários peixes, assamos, comemos e descansamos um pouco antes de irmos para dentro da mata.
Costumávamos caçar já no fim da tarde, pois era melhor, então saímos às 17h, todos prontos e equipados. Após duas horas de floresta adentro, fizemos uma fogueira e já havíamos conseguido matar alguns pequenos animais. Quando estávamos nos preparando para voltar meu primo ouvi o barulho de uma coruja em uma árvore próxima, nós não demos tanta importância, pois como já havíamos falado, esses tipos de animais estavam fora de nossa lista de caça, mas Alexandre queria se divertir um pouco mais do que já havia.
Ele então apontou a arma em direção de onde estava vindo o barulho, engatilhou e antes que eu pudesse impedi-lo ele atirou. Um tiro certeiro que trouxe a inocente coruja ao chão já morta. Antes mesmo que meu pai fizesse ou dissesse algo, ouvimos passos de alguém correndo pela floresta que ficava cada vez mais forte e próximo a nós na medida em que o tempo passava.
Pegamos nossas coisas e tentamos fugir de lá o mais rápido possível, pois não sabíamos do que se tratava, até que fomos paralisados com um urro alto e assustador que bradou por toda a mata. Um ser alto com as mesmas características do Pé de Garrafa parou em nossa frente, então tivemos a certeza que ele realmente existia. Ele veio lentamente se aproximando de nós enquanto não podíamos nos mover ou expressar qual sentimento de medo ou pavor.
Ele veio com suas enormes garras e ficou na frente do meu primo, o cheirou e, lentamente, foi colocando suas garras no peito dele enquanto urrava cada vez mais alto. Suas garras atravessaram o corpo do meu primo, mas não havia sangue, apenas o buraco feito por suas garras. Assim que tirou, vimos quando a alma dele saiu por completo do seu corpo, o Pé de Garrafa então abriu sua boca em um tamanho assustadoramente incomum e fez com que a alma dele entrasse e a engolisse saboreando assim seu delicioso alimento.
Meu primo ficou com os olhos cinza e caiu no chão como se estivesse morto, o Pé de Garrafa olhou para nós e simplesmente saiu correndo mata adentro gritando e urrando horrivelmente. Assim que ele sumiu conseguimos nos mexer novamente, pegamos meu primo e saímos dali o mais rápido possível, entramos no carro e voltamos para a cidade indo diretamente para o hospital. Falamos que ele havia se sentido mal e tinha desmaiado, não poderíamos falar o que aconteceu e nem o que vimos, pois ninguém iria acreditar em nós.
As roupas e nem o seu corpo havia alguma perfuração, não havia indício algum de que ele havia sido atacado por algo o que tornava tudo ainda mais estranho. Após algumas horas Alexandre acordou, mas não se lembrava do que havia acontecido. Sua última recordação era atirando na coruja. Dissemos então que após isso ele havia desmaiado então o trouxemos para o hospital, mas sabíamos que a partir daquele momento, ele não teria mais alma e isso poderia ser um enorme problema mais a frente, mas não seria mais problema nosso.
Alexandre voltou para sua cidade semanas depois para passar por alguns exames. Talvez em algum momento ele surte e mate alguém ou quem sabe nada possa acontecer, mas sua alma nunca mais voltará e ele será sempre uma casca vazia.
Tome cuidado ao ir caçar, pois o Pé de Garrafa está sempre a lhe observar pronto para devorar sua alma.
Comments